domingo, junho 04, 2006

Andar de ônibus é resgate cármico



Estou há dois anos sem carro. Ana Amélia, uma amiga advogada, também a pé, define a situação como um ‘resgate cármico’. Achei graça quando ela falou, mas depois parei para pensar: puxa, dois anos andando de transporte coletivo em Salvador é mesmo uma purgação espiritual. Para não falar em expiação física.
Mas, como não posso negar a minha face polianesca, não nego também que apesar dos pesares, andar de ônibus tem seu lado positivo. A gente fica conhecendo a cidade e o seu povo mais de perto. De carro, quando a gente está dirigindo não vê praticamente nada. Só o que está a frente. De ônibus, a gente pode observar o que está dentro e o que está fora: as partes mais sujas, as partes mais bonitas, uma casa numa encosta, uma árvore especial, um canteiro bem cuidado, um canteiro mal cuidado...
Pensar no que a prefeitura deveria fazer para melhorar a vida da população, diminuir os engarrafamentos, tornar as casas nas encostas mais seguras e bonitinhas; perceber o diferencial entre casas sujas e mal-cuidadas e a que se destaca mostrando o zelo do seu dono. Ver as outras pessoas que passam nos carros, nos ônibus, reparar nos rostos que esperam transporte nos pontos...
Quando estou sentada calmamente observo as coisas com um certo humor. Algumas me divertem. Os vendedores que transformam os ônibus em um mercado persa, que a toda hora entram no coletivo e vendem seus produtos (alguns são ótimos marketeiros; compro só pelo discurso). Outra me irritam, como mulheres com crianças pedindo ajuda, gente pedindo dinheiro e contando histórias que acho mentirosas. Decadência...Essas pessoas deveriam ser encaminhadas para um centro de reabilitação. Tipo, é proibido pedir esmolas e você tem duas escolhas : uma chance de ganhar a sua vida honestamente ou ir para a cadeia trabalhando para pagar a 'hospedagem'. Será que é muito chinês? muito Mao? Eu não acho.
Andar de ônibus é realmente um aprendizado .
Acho, inclusive que todas as pessoas que pleiteassem um cargo político deveriam ser obrigadas a andar de ônibus por, pelo menos, um ano. Aprenderiam a ver o que a cidade e o povo precisam. Quem sabe acabassem substituindo a demagogia e a retórica pelo trabalho e senso de dever.
Afinal, resgate é resgate.
E como diz a canção popular, 'o que dá prá rir, dá prá chorar'.
E vice-versa.

Obs. A ilustração que usei é de uma obra de Tarsila do Amaral e chama-se 'Operários".