sexta-feira, janeiro 27, 2006

O dia em que o síndico subiu no telhado

Vida difícil a de síndico Ainda mais síndico de prédio pequeno que às vezes tem que fazer papel de encanador, de eletricista, e até de conciliador. Um dia a bomba quebra, no outro quebra o portão da entrada, o zelador não aparece, os jornais desviados que não chegam aos donos, infiltrações, vazamentos etc.Paciente, Fofo, como era mais conhecido graças ao seu fair-play e a alguns quilinhos a mais, sabia bem o que isso significava como síndico de um agradável prédio no bairro do Rio Vermelho há oito anos, cargo que nenhum morador queria e que ele ia empurrando com a barriga.
Sempre que podia fazia ouvidos moucos para as queixas que surgiam por todos os motivos possíveis. Uma delas, e que também o incomodava, era contra o vizinho pagodeiro - de outro prédio – que transformava os domingos da vizinhança num inferno de mau gosto e de barulho. Fazer o que? Enfrentar o marombado exibicionista? Limitava-se a dar sugestões: chamar a Secretaria de Meio-Ambiente ou comprar protetores auriculares. O estresse estava demais.
Felizmente tinha resolvido o problema do vazamento no terceiro andar, que vinha se protelando há quase seis meses, com o conserto do telhado.
Findo o trabalho, os operários foram chamá-lo para que desse o ok e pagasse as contas.“Sêo” Fofo subiu tranqüilamente para o telhado e fez a inspeção se dando por satisfeito. Na hora de descer veio a caruara. Como foi que conseguira passar por aquele buraquinho no teto do prédio? Só agora reparara que a escada estava bamba, era pequena, rudimentar e provavelmente não agüentaria o seu peso. O que fazer? O senhor consegue “Sêo” Fofão tentavam animá-lo os operários, loucos para dar o trabalho por terminado.A moradora do 3º andar, pomo da questão colocou a cabeça na varanda e gritou “você quer que eu chame o Corpo de Bombeiros?”Nem pensar. Imaginou o caminhão fechando a rua e o trânsito, e ele se transformando no assunto principal dos porteiros e empregadas da rua por pelo menos alguns meses... “Cuidado você vai pegar uma insolação”, gritou uma outra vizinha, sugerindo maldosa: “Por que você não dá uma de Mary Poppins? Quer que eu arranje um guarda-chuvas?”
As tentativas de ajuda se multiplicavam. Os operários pregaram o resto de uma escada quebrada na outra e insistiam para que ele a usasse. Nem morto.
Contudo, depois de 4h sob o sol escaldante de uma manhã de verão baiano, exausto e pressionado pelos operários já exasperados, ele cedeu. “Seja o que Deus quiser”, pensou. Colocou o pé no primeiro degrau. A escada não quebrou. Mais um pé, mais outro e mais outro. Nunca ficou tão feliz ao pisar no chão. Agora era tomar banho e ir trabalhar. Mas como vestir a camisa? Estava vermelho e sua pele toda doía. Ao chegar no trabalho, a curiosidade dos colegas: “por que você está tão queimado?Estava na praia”? Fingia que não ouvia até que por fim uma colega indiscreta a quem coonfidenciara o drama revelou: “ Que praia que nada, ele subiu no telhado e não conseguiu descer”.
Bom, agora era agüentar as gozações e torcer para que a dor das queimaduras passasse logo. Afinal, síndico era para essas coisas...

terça-feira, janeiro 17, 2006

Padre Pinto saiu da batina

Minha amiga Mariinha ficou intrigada porque eu escrevi no meu textinho sobre o Bonfim que ano que vem irei a festa, mesmo que esteja morta, e logo em seguida falei sobre minhas preocupações com o Padre Pinto. Como psicanalista, que ela é, vive procurando sentidos perdidos nas entrelinhas.
Será que tem?
Padre Pinto está mais vivo do que nunca.
Depois de saracotear no dia da festa de Reis, na Igreja da Lapinha, de olhos pintados, trajando uma batina amarelo-ouro em homenagem a Oxum, e de se vestir de índio no dia seguinte, dançar nas pontas dos pés , sacudir os ombros, deleitar alguns fiéis e chocar outros, ele foi obrigado a consultar um psiquiatra e sair de circulação por uns tempos. " Estaria sofrendo com a execração pública ?".
Pobre padre, um homem com alma de artista preso numa batina ( ou quem sabe protegido por ela) . E que saída espetaculosa...
A Igreja tão misericordiosa com padres pedófilos, 'irmãos necessitando de ajuda', garantiu seu status quo divulgando que o padre/dançarino estaria precisando de cuidados terapêuticos. Ele que não fez mal a ninguém. Apenas nos espantou, nos divertiu, e nos deixou melancolicamente pensando no sentido da existência. Soltou sua vontade de dançar, um direito a alegria quem não tem?
E eis que hoje abro jornais locais e lá está ele: alegre e fagueiro. Bronzeado pelo sol da ilha, cheio de novos amigos, calça de cordão, camiseta, muito colares, pulseirinhas da moda, boina de negão na cabeça, sorridente. Cheio de planos.
Será que a Lapinha perderá um padre e Salvador ganhará mais uma estrela na sua imensa constelação?
Minha simpatia para Padre Pinto que me fêz rir e pensar.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Ano que vem eu vou

Eu não fui à festa do Bonfim ontem. Que raiva.
Não que eu seja festeira embora, quem não me conheça bem, ache que eu sou
Mas, a festa do Bonfim é a minha preferida entre todas da Bahia.
Apesar de ter fé não costumo mais ir a pé até a Sagrada Colina.
Mas me divirto muito ficando na Cidade Baixa vendo passar as baianas e todo tipo de gente. Adoro as fanfarras.
Depois que tiraram o Trio Elétrico ficou muito melhor.
E as figuras que aproveitam o cortejo para curtir seus 15 minutos de fama? Deliciosas.
Pois é. Não fui. Optei por concluir uma pilha de trabalho que me esperava.
Não sem sensação de perda. Perda de momentos alegres e de interação popular.
Vi pela Tv , no trabalho , junto com uma colega que a cada cena ficava toda arrepiada.
Essas festas populares também me arrepiam.
Ano que vem, eu vou. Até morta, eu vou.
Agora, sem mais nem menos me lembrei de Padre Pinto.
Como será que ele está ?

domingo, janeiro 08, 2006

Quem diria....

Ando meio
sem saco
sem pulso
sem laço.
O tédio me ronda
como um gato.
E eu que
pensava
que ele já
estivesse
morto
e
enterrado.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

O misterioso réveillon de Marta

A pelo menos 20 anos elas se encontravam, sempre nos finais de semana, para conversar e colocar as novidades em dia. Desta vez o encontro no primeiro dia do ano foi na praia de Piatã, onde costumavam andar na areia e assistir ao por do sol, cercadas por coqueiros, vendedores de coco, cachorros vadios , turistas, e os insuportáveis candidatos a craques de futebol.
"Onde voce se meteu no réveillon?" perguntaram cinco vozes a Marta , que sumiu no dia 31 só reaparecendo no dia primeiro, quando ligou convidando - as para comer peixe frito na praia.
Marta desconversou enquanto elas se distraíam com comentários sobre os festejos: o réveillon na Bahia Marina que custou R$ 1 mil, " que desperdício! como você teve coragem?", a festa na Praia da Paciência, cenário do filme Luar em Parador, com Sonia Braga, "gostei mais do ano passado na Cruz Caída", o réveillon na cama- dormindo, o réveillon em família. " E você passou aonde?"
Marta,tensa, foge de pergunta. "Que segredo é esse?", insistem.
- Não me diga quer voce voltou com Bin Laden , fala Sonia se referindo ao ex- magrelo e barbudo da amiga .

- Não, não foi nada disso.
- Então criatura, conte logo, que mistério é este? Afinal, onde você passou o réveillon?
Pressionada, Marta conta envergonhada : "Sabem Lícia, minha vizinha, que em 2005 foi para a Finlândia, Noruega, Suécia, visitou a Índia, a Espanha e o Chile e ainda por cima reformou a casa?
-Sim, respondem em uníssono...
- Bom , ano passado ela fez uma simpatia que ensinaram a ela e deu no que deu. Este ano eu resolvi experimentar ...

- Para isto tinha que ficar em casa?
-Não necessariamente, se você não tem uma reputação a zelar. É assim: a gente tem que ficar com uma mala vazia rodando ao redor de uma mesa na hora da virada, falando compassadamente : dinheiro, viagens, amor, dinheiro, viagens, amor, " confessa ressabiada esperando o sarcasmo do grupo: afinal, como é que uma mulher na idade dela, ex-marxista, psicanalisada, financeiramente independente, culta, razoavelmente viajada, pode se ligar numas bobagens dessas?

Resignada, espera o veredicto.
As amigas se entreolham, e indignadas se viram para a traidora perguntando quase ao mesmo tempo :
- Por que é que voce não nos chamou???