quarta-feira, agosto 30, 2006

O que estou fazendo se não gosto que seja assim?

Salvador seria uma cidade muito chata se os negros não tivessem vindo.
Eles trouxeram para nós a força espiritual, a alegria, o encanto com a vida.
Vieram para transformar e transformarem–se nessa simbiose étnica, cultural
e religiosa que é o povo da Bahia.
Penso nisso enquanto caminho na praia e vejo dois homens jovens, negros,
bonitos, treinando capoeira. Flexíveis, ágeis, gatos.
Não estou justificando a escravidão, embora, todos saibamos que era
um costume africano, e de outros povos mais antigos, vender inimigos
e os derrotados numa guerra. E escravizá-los.
O pior obstáculo para os negros ainda hoje, na minha opinião, e posso estar enganada,
ou não estar, é a aceitação da vitimização. A vítima aceita que foi vítima e não consegue deixar de sê-lo.
Se sente inferiorizada ao aceitar que é vítima e ao não assumir a responsabilidade que lhe
cabe por ser ou estar em determinada situação. Penso que a luta contra os algozes
não comporta o ódio. O ódio limita a visão. Minimiza o espírito. Aprisiona o intelecto.
Penso que devemos ter apenas o desprezo por pessoas que continuam pequenas apesar do tempo, da evolução científica, cultural, do acesso à Educação.
Mas não deixemos que o que pensam, dizem, ou fazem decidam pelo que somos e pelo que podemos ser.
Acho que ficar apenas, eu estou dizendo apenas, apenas, reclamando e ressaltando a dor do preconceito e da discriminação não conscientiza. Recondiciona.
Torna as pessoas mais sensíveis e inteligentes pressurosas em serem politicamente corretas. Afinal, o preconceito é burro e é medroso. As pessoas instruídas sabem disso.
Para mim, o politicamente correto é a mudança. Mudança porque tem que se mudar.
Mudar porque é preciso mudar o que é injusto, o que não está certo.
Mudar porque é um direito. E o direito deve ser usado se pisando, e rindo, em quem nos atrapalha o caminho.
Para poder se afirmar é preciso a não negação. O que é, é.
Sim, também tenho meus preconceitos. Ou conceitos.
Vou mudar o que não gosto. Dentro do que me fôr possível. Agora. Mais tarde verei o que pode e precisa ser feito...

segunda-feira, agosto 28, 2006

Em defesa do açúcar

A capa da revista Veja desta semana é um libelo contra o açúcar.
Fico indignada com os ataques a esse condimento que dá gosto a vida.
Viva os olhos de sogra, brigadeiro, pundins, pavês, sorvetes, os trans etc, etc, etc
Graças a eles aguentei estóicamente a obrigação de frequentar aniversários de crianças, quando meu filho era pequeno.
Ter que aguentar aniversário de crianças - cujas mães, pais, e os outros convidados você não conhece- para levar o filho que é o convidado, é uma das maiores provas de amor que existe.
E os filhos não reconhecem este sacrifício.
Às vezes fico pensando que só os doces podem salvar o planeta....
E nos livrar do tédio.

sexta-feira, agosto 25, 2006

Resenha do general

Está saindo em Cuba um livro que reúne os discursos de Fidel Castro, entre 1959 e 2005, sobre a mulher e o processo revolucionário.
Considerando-se que cada discurso de Fidel leva uma média de 5h, quem será que se dispõe a ler um livro desses?
Não creio que exista uma mulher em juízo perfeito que se arvore a um empreendimento desse tipo. A não ser que goste de se auto-flagelar....
O que será que o general tem a dizer sobre a libertação da mulher num lugar onde a liberdade começa e termina onde ele determina?
Eu vou ficar sem saber.
Graças a Deus.

sexta-feira, agosto 18, 2006

O foguetório...

Vivendo em Salvador a gente se acostuma com todo tipo de barulho.
Afinal, o povo adora festejar. Festeja-se tudo. Até a derrota..
Quando o Brasil perdeu da França, na Copa, foi um tal de foguetório que um amigo comentou: “Nunca pensei que tivesse tanto francês na Bahia”. Não tem.
Na minha opinião, o povo detesta desperdiçar dinheiro. E como provavelmente comprou muitos fogos confiante na vitória do Brasil, o foguetório serviu, ao menos, para extravasar a decepção e a raiva. E para não ficar com sensação de prejuízo.
Festejar a vitória da França foi uma espécie de vaia para nossa seleção.
Pois é. Nas festas sacras tem foguetório. Nas pagãs também.
Numa segunda-feira à noite peguei um ônibus com o trajeto errado. Percebi que estava errado quando notei que ele estava fazendo muitas voltas. Não fiquei estressada porque, embora fosse demorar mais, no final ele ia acabar passando perto de onde eu teria que ficar.
Ruas estreitas, casas pobres, reconheci o lugar: Vale das Muriçocas... .
Passava o tempo lendo uma revista, quando ouvi um foguetório, e os gritos de uma mulher na rua me chamaram a atenção. Não me espantei. A surpresa veio quando meu olhar se voltou para dentro do ônibus: estava todo mundo deitado no chão. Não era foguetório, era tiroteio.
Me abaixei também, enquanto os passageiros gritavam para o motorista que parou o veículo: “Se adianta cara, sai daqui; parou por que”?
O motorista obedeceu e colocou o ônibus em funcionamento saindo da área de tiro. Poucos metros adiante as pessoas andavam e conversavam naturalmente, como se nada houvesse acontecido. Quem ouviu o barulho também deve ter pensado que eram foguetes.
“Como é fácil morrer”, comentou um amigo a quem narrei a história. “Você podia ter levado um tiro e morrido sem nem perceber”.
“É mesmo”, concordei assustada... Alguém vai passando leva uma bala, acorda em outro lugar e não sabe o que aconteceu: “Onde estou, que lugar é esse, que estou fazendo aqui ?”
Não gostei nem de pensar. Sei que é ser muito conservadora, mas torço para morrer numa situação de normalidade: velha e na cama de um hospital, com tudo arrumado, contas pagas, inclusive o enterro.
Será que estou sendo mórbida? Por que as pessoas não gostam de falar sobre uma coisa que vai acontecer fatalmente um dia???
O que me incomoda é a possibilidade da surpresa!

sexta-feira, agosto 11, 2006

A fé de
quem acredita
é igual a de
quem
não crê.

O crente e o ateu
defendem a sua
crença,
ou não crença,
com o mesmo ardor.

domingo, agosto 06, 2006

Amigas devem ser para sempre....

Essa tal virose que pegou muita gente em Salvador me pegou também. Com o nariz entupido e uma tosse seca irritante lá vou eu a um pneumologista para descobrir que ele me receitaria os mesmos medicamentos que eu já estava tomando por conta própria.
O médico me pediu, não sei porquê, um Raio X da face e dos pulmões. Passei numa clínica com disposição zero para esperar: se tivesse pouca gente eu faria os exames, senão iria embora. Tinha quatro pessoas na minha frente e é claro não esperei. Já fiz o meu diagnóstico: sinusite; a maldita sinusite.
Ao sair reparei numa mulher, encostada num carro, aspirando um cigarro com evidente prazer. “ Ótimo lugar para fumar. Bem em frente a uma clínica de pneumologia”, pensei com o rancor exacerbado dos ex-fumantes.
Ao prestar atenção na mulher, concluí que o fato não era tão inusitado assim. Afinal, a pessoa em questão era uma amiga com um talento notório para o inconvencional: Dóris, que a tempos eu não via. Ela foi à clínica para fazer um check-up. Quanto ao cigarro, qual o problema? Nenhum mesmo.
O papo esticou, filhos, amigos, trabalho e ela , como sempre que nos encontramos, lembrou de uma amiga comum que morreu de câncer há dois anos. E começamos a falar sobre Lúcia, criatura viva e inteligente que ignorou conscientemente um caroço que crescia em seu seio. Dóris guarda alguns dos melhores momentos compartilhados com Lúcia, que adora lembrar, e que chama de pérolas.
Uma das preferidas se passou num dias das mães da década passada, quando tínhamos como rotina nos encontrar nos fins de semana, ir à praia, e acabar comendo em algum barzinho perto do mar.
Antes de sair, Lúcia resolveu ir a uma floricultura diante de casa, no bairro da Graça, se desincumbir de uma obrigação: comprar flores para que o casal de filhos levassem para a avó, mãe do ex-marido.
Separou duas dúzias de rosas e mandou a moça fazer dois bouquets (ainda se usa essa palavra?) . Depois, perguntou o preço. A garota respondeu e ela pensativa .”Acho que é melhor fazer só meio bouquet prá cada um. E depois do novo pedido, novamente mudou de idéia.”Moça faça dois cartuchos com um arranjozinho . É suficiente”.
E voltando-se para Dóris, falou categoricamente: “Ex-sogra é investimento perdido” .
Rimos com a lembrança. Costumamos gargalhar quando lembramos dela nos jogos de buraco, que ainda fazemos de vez em quando. Seus palavrões, seu falso mau humor, sua irreverência. Ela está presente toda vez em que nos encontramos . Acredito, sinceramente, que ela deve estar bem onde estiver. E que também se lembra de nós.