sábado, dezembro 31, 2005

Feliz 2006

(Este poema de Cora Coralina é simples, suave e sintético : o que somos é o que tocamos e o que sentimos em relação ao outro e a nós mesmos; a amizade dá calor às nossas vidas. Ter nada mais é do que ser fiel a si mesmo. Bom Ano Novo queridos amigos)

Não sei...
se a vida é curta...
Não sei...
Não sei...
se a vida é curta
ou longa demais para nós.
Mas sei que nada
do que vivemos
tem sentido
se não tocarmos
o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.
E isso não é coisa
de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura...
enquanto durar.
Cora Coralina

domingo, dezembro 25, 2005

Esperanças natalinas....





Hoje, dia de Natal, perdi meu celular quando caminhava na praia e fiquei desesperada. Não pelo celular, que era simplezinho, embora cumprisse a função primária de um celular que é de ligar e receber ligações, mas porque continha minha preciosa agenda e era de conta.
“Tomara que tenha caído no mar e Iemanjá tenha levado”, pensei preocupada.
Tentei ligar para a Vivo por mais de uma hora para pedir o bloqueio do meu número, sendo atendida pela gravação que me passava para um número que chamava, chamava e ninguém atendia ( ué, a operadora não anuncia que funciona 24h?).
Comecei a fantasiar: e se a pessoa que o encontrou resolvesse ligar para os EUA, para a Tailândia, para o diabo que o carregue, de quanto seria minha conta?
Para me precaver, fui a uma delegacia e fiz um Boletim de Ocorrência.
De volta para casa, resolvi ligar para o meu celular. Uma voz de mulher atendeu. Eu perguntei quem estava falando e ela disse: a pessoa que encontrou o seu telefone. Conversei rapidamente e ela me contou que o filho achou o celular e que ela e o marido ficaram olhando para ver se alguém o procurava- eu fiz isso, mas não deve ter sido exatamente no local onde eu o perdi.
Achando que ela iria me cobrar alguma coisa indaguei o que eu precisava fazer para pegar meu celular de volta e ela respondeu: “vir pegar”. Me deu o endereço do seu apartamento e algumas horas depois o celular estava em minhas mãos.
Dona Marlene, este é o nome dela, é paulista e está morando há pouco tempo em Salvador.
Fiquei aliviada, e pensei que este tinha sido um bom presente de Natal. Não pelo celular, que como eu disse é básico, mas pelo senso de dever e a honestidade das pessoas que o encontraram. Isto meu deu esperanças. Talvez não devamos estar tão céticos em relação ao Brasil e ao seu povo. Nem sempre todos querem levar vantagem. Muitos querem ajudar. Talvez, quem sabe, a verdade seja a de que dona Marlene e sua família façam parte da regra e não da exceção. É reconfortante pensar nisso...
Feliz Natal!

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Como dois e dois são quatro

O telefone toca, ela atende sonolenta: 2h da manhã. Será que morreu alguém e estão ligando prá avisar?

Atende ansiosa. Do outro lado da linha uma voz conhecida. Antonio! exclama surpresa e conformada. O que aconteceu?

Dez anos que não se viam desde que o romance acabara, e ele se mudara para fora do país. Mas, de vez em quando, ele a acordava de madrugada para contar as novidades Quando casou, quando teve filhos, separou, quando se apaixonou mais uma vez, mais outra, e mais outra, para falar dos filhos, dos projetos, do carro novo. Perguntar, curioso, se tinha alguém com ela na cama, se estava apaixonada, etc, etc e etc. Invariavelmente, ela não respondia, e, condescendente, ouvia o que ele queria dizer, bocejando, até não agüentar de sono: "Vamos dormir? Boa noite, ou melhor, Bom Dia” dizia levemente irônica antes de desligar o telefone.

Desta vez, ele ligara para dizer que estava indo passar uns dias em Salvador, se ela podia pegá-lo no aeroporto, queria vê-la, conversar com ela. “Vou estar trabalhando. Mas também quero vê-lo”. No dia seguinte, o encontro no Pelourinho renovado, totalmente diferente do bas-fond que adoravam quando estudantes, uma ruína infecta onde proliferavam boêmios e marginais...

Vinho tinto, suave para ela, palavras, histórias, risos, lembranças. ”Não sei onde eu estava com a cabeça quando ia atrás de suas idéias malucas. Lembra quando fomos parar no meio do sertão de Andaraí, numa estrada de barro, sol a pino, calor de 40 graus? Não passava ônibus; não passava nada; pensei que fosse morrer no meio de cactus, poeira e serpentes venenosas... A viagem para a Argentina escondido dos pais dela, os sustos, os amigos - os dele e os dela que não se entendiam- o fusquinha verde de Margarida, sua maior cúmplice, e a culpa, a terrível culpa pelas mentiras.

-Tive tanto remorso. Acho que foi por isso que nossos filmes velaram. Que droga, não é? Ir a Bariloche, viajar de trem pela Patagônia, e atravessar o Estreito de Magalhães sem uma foto sequer....

- Temos a foto de lambe-lambe em frente à Casa Rosada, esqueceu?

- E aqueles caras saídos não sei de onde que nos levaram para passear nas montanhas de Ushuaia? Que maluquice a nossa! Eles podiam ter me estuprado, nos roubado e nosmatado. Nossos corpos poderiam estar enterrados na neve até hoje. Você me fez correr muitos riscos”... - Nós éramos muito jovens e você se divertia.

- Naquela época eu não tinha medo.

- Nem que eu morresse na Terra do Fogo?

- Tive. Lá não havia consulado. Como eu poderia transportar seu corpo para Salvador?

- Se eu tivesse morrido você sofreria?

- Depois. Primeiro teria que trasladar seu corpo.

Mais risos, mitos compartilhados, Sarte, Simone de Beauvoir, Marcel Camus,Victor Hugo, os franceses... -O que você está lendo agora? ele pergunta.

- Sydney Sheldon, responde antegozando a crítica que não vem. Ele a olha placidamente e diz: “Você continua a mesma”.

Fica decepcionada com a resignação dele. Talvez ela estivesse ficando muito previsível.

Ele não acreditava mais no Nada.

Ela também não. Isso mudava Tudo.

Agora, eles acreditavam em coisas diferentes.

No caminho para o hotel mais conversa, a paixão, as brigas, os términos, as voltas, o adeus definitivo.

-Por que a gente não deu certo?

-Você era muito galinha.

-Você devia ter lutado mais por mim, reclama.

-Você passou da conta.

- Você é muito dura.

-Você mentia.

-Todos os homens mentem.

- Eu sei. Mas, a gente cansa de fingir que acredita.

- Quer subir?, ele pergunta .

- Não. Vou para casa.

- Antes de voltar quero fazer um passeio, rever a cidade... Vem comigo?

- Vou. Me ligue.. .

Se olham com afeto.

- Nós fomos felizes juntos, não fomos?

- Acho que sim, ela responde.

Nunca tinha pensado nisso antes, mas era verdade.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Pense o que quiser....

O amor
é um pulo
no abismo
em noite
sem lua
de olhos
vendados.

terça-feira, dezembro 20, 2005

Mandinga em Manhattam

A Associação Brasileira Capoeira de Angola apresentou nesta terça-feira à noite no Largo de Santo Antônio Além do Carmo, no Centro Histórico de Salvador, um dos documentários baianos premiados pelo Ministério da Cultura e pelo Instituto Nacional de Rádio e Difusão do Estado da Bahia. O documentário de 55 minutos, intitulado "Mandinga em Manhattam" é um dos 32 projetos com roteiros selecionados nacionalmente pelo concurso da Secretaria do Áudio Visual, que disponibilizou R$ 100 mil para realização de cada projeto premiado em 2005. Foram inscritos mais de 800 projetos em todo o país. O roteiro criado e escrito pela jornalista, fotógrafa e capoeirista Lúcia Correia Lima, a convite do diretor Lázaro Faria, foi filmado em Salvador, Nova York, São Paulo, Rio de Janeiro e São Francisco do Conde, enfocando a internacionalização da capoeira, arte e luta afro-brasileira que surgiu nos canaviais do recôncavo baiano, no Brasil colônia.
Segundo Lúcia, o título do trabalho é uma homenagem ao mais importante mestre angoleiro que vive há 17 anos na ilha nova-iorquina, Mestre João Grande, um dos principais personagens do documentário.
"Mandinga" mostra a beleza de Salvador, sua arquitetura, seu povo, suas praias e principalmente a capoeira, importantíssimo instrumento de defesa e afirmação do povo negro da Bahia no Brasil Colônia e hoje da cultura afro-brasileira em todo o mundo.
Vamos torcer para que o olhar de Lúcia sobre esse feitiço que hoje se espalha por todas as partes do planeta entre logo no circuito de documentários da cidade. Valeu Lúcia!

sábado, dezembro 17, 2005

Sim, mas....

Confiança é fundamental,
mas confiar cegamente
é cegueira.......

sexta-feira, dezembro 16, 2005

O dia em que brinquei de Irmã Dulce......

Irmã Dulce é uma figura muito querida e muito presente entre os baianos, embora tenha morrido há 13 anos. Como a carismática pessoa que foi, nós, jornalistas, tínhamos com ela um certo grau de intimidade, típico de gente que se conhece há muito tempo e que partilha interesses comuns, embora nunca tenham se visto ou sequer se falado. Seu nome era sempre citado nas redações, nem sempre com a reverência que sua dignidade merecia. Tínhamos inclusive um colega, Rosalvo Espírito Santo, que sempre que queria chamar a atenção para alguma coisa começava a narrativa com a frase “como dizia irmã Dulce”..... e lá vinha todo tipo de disparates. Se as coisas que ele inventava com o nome da freira forem contabilizadas como pecado, Rosalvo vai arder e muito no caldeirão do inferno.Irmã Dulce me veio à memória, outro dia, ao conversar com uma professora, que tem o apropriado nome de Socorro, e que faz um trabalho social voluntário com gestantes carentes. Senti vontade de ajudar e resolvi, como diz minha mãe, fazer caridade com a bolsa dos outros. Ofereci a Socorro três amigas médicas, competentíssimas, como voluntárias para trabalhar com as grávidas nos dias de domingos à tarde. Depois, lembrei que tinha que consultar primeiro as interessadas, ou desinteressadas, e desanimei Socorro: “na verdade, não sei se elas topariam”. “Peça, fale com elas”, respondeu Socorro . “Não tenho jeito para pedir”, enrolei.... “Pois eu sou pidona”, respondeu ela. Peço tudo a todo mundo o tempo todo”. “Ah, você aprendeu com Irmã Dulce?” perguntei de brincadeira lembrando da fama da freira católica.- Foi com Irmã Dulce sim. Comecei esse tipo de trabalho com ela. Irmã Dulce era muito esperta, ia nos colégios procurar voluntários , conversava com os professores, e os alunos que se dispusessem a ajudá-la ganhavam um ponto na matéria que estivessem precisando. Eu queria um ponto em matemática e levei um ano ajudando no hospital, limpando sala, lavando banheiro por causa desse ponto, que acabei não precisando.“ Pois eu já vesti a roupa de irmã Dulce” falei lembrando uma história que aconteceu quando eu trabalhava na TV Educativa, em Salvador. Eu era chefe de reportagem e Alvinho Guimarães dirigia os programas especiais da emissora. Irmã Dulce estava adoentada e o pessoal resolveu fazer um especial sobre a vida dela. Dona Dulcinha , sempre prestativa, atendeu ao pedido da produção e mandou um hábito, limpo e passadinho, que já havia sido usado pela freira.Alvinho já tinha várias idéias para o especial e pediu à nossa secretária, Simone Andrade, que vestisse o hábito para fazer umas externas. Simone aceitou, mas na hora o hábito não coube nela, meio gordinha, já que Irmã Dulce era muito miúda. Alvinho perguntou se eu, mais magra, toparia substituir Simone. Concordei e o dia foi marcado. Continuei meus afazeres na redação, ouvindo os planos de Alvinho para o programa, entre os quais de mostrar Irmã Dulce com crianças no circo montada num elefante. - Ah, não! Subir em elefante eu não vou, meu filho. Não conte comigo... Você está trocando as freiras... Elefante é com Madre Teresa de Calcutá e não com Irmã Dulce...Ele aquiesceu e tudo resolvido, fomos para o Convento do Desterro, onde Simone me produziu. Disseram que eu me saí muito bem como atriz, passeando pelas alas do convento, parando para olhar o céu, e ajoelhada rezando na capela.Depois, voltamos para a TV e nunca mais se falou no especial de Irmã Dulce, que morreu um ano depois, nem na fita gravada por Alvinho que ninguém sabe onde foi parar. Mas, o que me marcou desta história, que na época encarei como brincadeira, foi que passei duas semanas entorpecida com a pressão muito baixa.Hoje eu sei que foi muita ousadia da minha parte vestir o hábito de uma mulher com um padrão vibratório tão alto como irmã Dulce, pessoa que dedicou toda sua vida a amparar os pobres e miseráveis.A historinha é para aproveitar, e pedir a quem estiver interessado em ajudar as gestantes carentes, muitas das quais ainda estão adolescendo - a entrar em contato com Socorro na Casa de Caridade, Esperança e Fé, que fica na rua Feira de Santana, no Rio Vermelho, ou pelo telefone 8809.3483. Alimentos não perecíveis, fraldas, mamadeiras, roupinhas e objetos para bebês são bem vindos.
Eu e Carlos Drummond de Andrade, no Rio, em foto da colega Chiara Papalli do Jornal de Londrina

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quinta-feira, dezembro 15, 2005

O óbvio do óbvio



Não há nada
a ser dito,
quando não
se tem
o que dizer....


O homem das unhas azuis

A resistência do meu chuveiro queimou e pedi ao porteiro que arranjasse um eletricista para trocá-la. Minutos depois, ele chega a minha casa com um homem baixo, atarracado, que trabalhava numa obra das imediações e que poderia me ajudar. Mandei entrar e ao observá-lo trocando a resistência, pensei: “Conheço esses pés de algum lugar”. Serviço terminado, ele não cobrou. E muito gentil, disse que o dinheiro não compra tudo; que eu desse o que eu quisesse. Dei R$10. Depois que ele saiu falei para minha diarista: “Esse homem tem os pés parecidos com os de um homem que eu vi outro dia num orelhão . Não reparei no rosto , mas vi que tinha as unhas pintadas de azul cintilante. O formato das unhas parece o mesmo.
Ela então comentou: “Deve ser ele mesmo, porque disse que meu esmalte era bonito (vermelho fulgurante), e que costumava pintar as unhas dos pés e das mãos.”
"Mas como pode ser", comentei perplexa. "Um homem tão rude, fisicamente grosseiro até , pintar as unhas dos pés ...
- Será que homossexual?
-Acho que gay ele não é não, respondeu ela. “Quando a senhora foi lá dentro, ele me ‘cantou’ e até roçou a mão na minha”.
Fiquei pensando na complexidade da natureza humana, das sensibilidades, da arte 9ele era pedreiro) e lembrei das palavras do meu amigo Tamas:” Até a lua tem o seu lado oculto”.
Como a lua é redonda, quantos lados será que tem ?

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Poema solto

O homem dorme no barquinho
na beira do mar ao sol das
nove horas...
Que dia limpo !
Não pode haver nem mal,
nem dor debaixo do sol ...
O mar está azul faísca,
areia rosada,rochas e
musgos, pocinhas d´água.
Me banho...
Um rapaz moreno me olha
de alto a baixo.
Acompanho o olhar e
o devolvo irônica e
divertida debaixo de
minhas lentes escuras:
Que bonitinho, gracinha!
Não pareço (e isto é importante),
mas poderia ser sua mãe...
À frente, a praia da minha adolescência...
Lembranças de tardes ensolaradas
o grupo de amigos ,
o frescobol,
e alguma inconsequência,
como o pulo do rochedo sem
saber nadar, com as
ondas batendo lá embaixo.
Pura exibição...
Vexame....
Sobrevivo com o corpo
arranhado,a alma ferida,
e o ego arrasado.
Os barrancos ainda estão lá,
cobertos de verde: coqueiros,
mandacarus,e mal-me-queres.
De um lado o farol e o Cristo,
do outro o Morro da Sereia
Passo no meio de uma pelada,
atrapalho o jogo e os meninos
me olham irritados.
Desculpem, foi sem querer...
Eu sei, é um privilégio,
talvez uma graça, poder estar
onde estou agora,
caminhando na praia,
banhada de sol, num dia de semana,
sem um tostão no bolso,
e devendo ao banco.
A calma do mar se reflete
em minha alma...
Mas essa beatitude é muito estranha:
“Deus, por favor, dá para tirar esse sorriso besta do meu rosto?”