terça-feira, novembro 28, 2006

Rio Vermelho



Êta Rio Vermelho para ter maluco, mendigo, bêbado, menino de rua, cachorro perdido e ladrão.
Bairro boêmio e histórico de Salvador, foi no Rio Vermelho que Jorge Amado viveu grande parte da sua vida até morrer em 2001, e é onde moram ainda hoje celebridades como Gal Costa, Carlinhos Brown e outros artistas de diversas matizes menos conhecidos e alguns até obscuros.
Lugar bom de se viver, fora o confronto cotidiano com a realidade dura da pobreza e da miséria que quebram a aura de poesia e de magia(rima sem intencionalidade) que envolvem o bairro.
Hoje eu vi Lucas, como diz que se chama um menino de rua que perambulava pelo bairro, dormindo a sono solto na calçada de uma casa, tranqüilo como se estivesse na segurança de um lar. Fazia meses que eu não o via, tinha sumido, e cheguei a pensar que tivesse voltado para Sergipe de onde disse ter vindo para trabalhar e ajudar a mãe. Não sei se é verdade. Quando o conheci, ele estava dormindo na frente do meu prédio tendo uma caixa de engraxate como travesseiro. Dei comida, uma camiseta e uma sandália. Ele se ofereceu para engraxar meus sapatos quando eu quisesse. De graça. Eu disse que faria isso quando precisasse.
Cheguei a procurar um órgão da prefeitura para que o encaminhasse de volta para a sua terra. Não deu certo. Era mais uma dessas instituições sem estrutura que existem para dar emprego a pessoas que, na maioria das vezes, não estão a fim de trabalhar.
Notei que ele tinha crescido, o cabelo estava mais curto, mas continuava sujo como sempre e com a impressionante capacidade de dormir em qualquer lugar: no chão quente, debaixo do sol.
Meu Deus, vou ter que ficar vendo Lucas de novo, com fome, sujo, dormindo nas calçadas. Que praga.
Como se não bastasse, tem também um cachorrinho preto, poodle, que fugiu de casa, ou foi abandonado, e anda prá cima e prá baixo na rua Alagoinhas. Não quero nem olhar. Tenho medo de acabar recolhendo-o e levando-o para casa, como duas das minhas irmãs que recolhem cachorros e gatos abandonados pelas ruas. Acho isso uma maluquice, e tenho medo que seja genético. Tenho mais medo ainda de recolher gente. Se por acaso eu quiser fazer isso, pelo amor de Deus me internem.
Tem o velho uruguaio, que se diz um ex-tupamaro, e vive pedindo dinheiro nas sinaleiras. Esse também dorme nas calçadas duras, sem nem uma folha de jornal embaixo. Outro dia, pivetes o apedrejaram e ele foi levado de táxi para o pronto socorro por uma vizinha minha de bom coração. Ela até arrecadou dinheiro para que ele pudesse alugar um barraco. Não adiantou. Os vagabundos da área o expulsaram e ele logo estava de novo nas ruas.
O menino, o uruguaio , e o cão, são alguns dos inúmeros personagens desprotegidos que vivem pelo bairro. Bairro que também abriga alguns dos melhores e mais caros hotéis da cidade, bares da moda, lojas, restaurantes e antiquários. Rio Vermelho onde Caramuru veio parar após naufrágio de um barco português. Rio Vermelho da festa de Iemanjá no dia dois de fevereiro. Rio Vermelho de calçadas quebradas, bocas de lobo entupidas e poças de água suja...
É muito estresse!

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