quinta-feira, julho 02, 2009

Nasce o sol a Dois de Julho.....


Hoje dei uma entrevista para a Band. Estava em frente à Igreja do Carmo assistindo o desfile do Dois de Julho quando um repórter, muito jovem, aproximou o microfone para me entrevistar. Minto. Não foi bem assim. Ele colocou o microfone na boca de uma menina e perguntou qual a importância do Dois de Julho. Ela, inibida, não quis falar. Respondi por ela: “A importância está no fato da independência do Brasil só ter se dado realmente após a expulsão das tropas portuguesas do Brasil, expulsas pelos baianos em 1823. A independência não aconteceu à margem do Ipiranga. Correu sangue por aqui.” Então, ele perguntou se eu estava ali para cumprir um dever cívico. E eu disse que para mim , estar ali não era dever era prazer.
De fato, o Dois de Julho com a Lavagem do Bonfim são as minhas preferidas do calendário de festas baianas. No Dois de Julho, curto o que acho a desorganização mais organizada do mundo. Posso estar sendo exagerada, mas duvido que tenha outra festa igual: pessoas de diferentes níveis sociais e tendências políticas, preferências sexuais, e nacionalidades, todo mundo num cortejo sem cordas com lugar para protestos, declarações de diversos tipos e muita ,muita ,alegria. Até os doidos se sentem à vontade para participar do dançando, cantando mostrando suas faces sofridas, e seus corpos marcados sem que ninguém os incomode ou diga que não deveriam estar ali.
As filarmônicas, bandas militares, fanfarras e as bandas escolares são um caso à parte. Os garotos e garotas vestidos com roupas de gala, de tecidos não muito caros, levam à sério o papel que lhes cabe seja tocando um instrumento ou fazendo coreografia. Todos arrumados, produzidos e muito dignos . Vi um louco dançar até cansar o cinegrafista que o filmava. E com muito ritmo. Quase nu, de sapatos, meias pretas até o joelho, uma cueca marrom com um galho de arruado, ele “quebrou” como se diz por aqui .“ Coitado, não tem nem orelha” disse uma mulher se referindo ao corpo cheio de cicatrizes e à falta de uma das orelhas do sujeito, que drogado ou não, mendigo ou não, maluco ou não ,estava feliz e dançou muito.
“É difícil uma pessoa de fora entender isso aqui”, observou uma amiga ao meu lado.
É verdade, pensei. Isto é uma mistura de provincianismo e universalidade, de deboche, de anarquia, e principalmente de democracia e de respeito às tradições. No cortejo sai quem quiser do jeito que tiver vontade- só não vale agredir aos outros, nem jogar ovos no prefeito como aconteceu hoje.
No meio do desfile um grupo passou tocando instrumentos de percussão.”Quanto quer apostar que eles são gringos”?, indagou um senhor. De fato, eles eram gringos de diferentes nacionalidades. Estavam um pouco fora do ritmo, porém completamente dentro do espírito da festa.
Depois de duas horas vendo passar mais gente conhecida que estranha, ver duas amigas em companhia do delegado Protógenes, fomos almoçar no restaurante de Celina, no Pelourinho. Ela se queixou da falta de apoio do governo estadual. Aliás, os comerciantes do Centro Histórico não morrem de amores pelo governador Jaques Wagner, nem pelo seus secretários de Turismo e de Cultura aos quais atribuem o abandono a que o local, patrimônio da Unesco, está relegado. Colocaram até um palco no Terreiro de Jesus para apresentação de música, coisa que nunca vi no Dois de Julho, com um apresentador louvando “a grande festa” patrocinada pelos secretários
“Me bata uma garapa”, falou dona Lucinha. É s.... ... ! Esses indivíduos querem fazer a gente de besta...Desde quando o Dois de Julho é organizado pelo governo? Se assim fosse não ia prestar, e ainda por cima por esses paspalhos que só fizeram desfazer o que estava bom, e não fizeram nada que valesse a pena botar no lugar não iam acertar a mão numa festa dessas proporções” resmungou.
Encontramos mais um monte de amigos, inclusive um grupo de jornalistas vestindo uma camiseta onde colocavam a venda o diploma da profissão(culpa de Gilmar)...
-Quem quer um diploma que já não vale nada? Quero é uma camisa dessas, brinquei.
-Você não quer comprar, mas quer vender , né? rebateu Diogo Tavares, autor da gracinha executada de última hora na calada de ontem `a noite....
É o Dois de Julho...Intelectuais, estudantes, sociólogos, profissionais liberais, donas de casas, políticos, desocupados, desempregados, patricinhas, mauricinhos, mendigos, malucos, representantes da sociedade baiana se encontram e dividem espaço numa festa com muito som, muitas cores e muita vibração. O que mais dizer? Viva a Bahia!
(Por que os outros estados não comemoram esta data? O Dois de Julho deveria ser uma festa nacional)

Um comentário:

  1. Anônimo1:39 PM

    Excelente, emocionante, cheguei às lágrimas, todo mundo devia saber, Aurora, eu e Kenzo gostaríamos de estar participando,poderia espalhar mesmo, pois o espaço continua careta....beijos, parabéns.

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