quinta-feira, dezembro 22, 2005

Como dois e dois são quatro

O telefone toca, ela atende sonolenta: 2h da manhã. Será que morreu alguém e estão ligando prá avisar?

Atende ansiosa. Do outro lado da linha uma voz conhecida. Antonio! exclama surpresa e conformada. O que aconteceu?

Dez anos que não se viam desde que o romance acabara, e ele se mudara para fora do país. Mas, de vez em quando, ele a acordava de madrugada para contar as novidades Quando casou, quando teve filhos, separou, quando se apaixonou mais uma vez, mais outra, e mais outra, para falar dos filhos, dos projetos, do carro novo. Perguntar, curioso, se tinha alguém com ela na cama, se estava apaixonada, etc, etc e etc. Invariavelmente, ela não respondia, e, condescendente, ouvia o que ele queria dizer, bocejando, até não agüentar de sono: "Vamos dormir? Boa noite, ou melhor, Bom Dia” dizia levemente irônica antes de desligar o telefone.

Desta vez, ele ligara para dizer que estava indo passar uns dias em Salvador, se ela podia pegá-lo no aeroporto, queria vê-la, conversar com ela. “Vou estar trabalhando. Mas também quero vê-lo”. No dia seguinte, o encontro no Pelourinho renovado, totalmente diferente do bas-fond que adoravam quando estudantes, uma ruína infecta onde proliferavam boêmios e marginais...

Vinho tinto, suave para ela, palavras, histórias, risos, lembranças. ”Não sei onde eu estava com a cabeça quando ia atrás de suas idéias malucas. Lembra quando fomos parar no meio do sertão de Andaraí, numa estrada de barro, sol a pino, calor de 40 graus? Não passava ônibus; não passava nada; pensei que fosse morrer no meio de cactus, poeira e serpentes venenosas... A viagem para a Argentina escondido dos pais dela, os sustos, os amigos - os dele e os dela que não se entendiam- o fusquinha verde de Margarida, sua maior cúmplice, e a culpa, a terrível culpa pelas mentiras.

-Tive tanto remorso. Acho que foi por isso que nossos filmes velaram. Que droga, não é? Ir a Bariloche, viajar de trem pela Patagônia, e atravessar o Estreito de Magalhães sem uma foto sequer....

- Temos a foto de lambe-lambe em frente à Casa Rosada, esqueceu?

- E aqueles caras saídos não sei de onde que nos levaram para passear nas montanhas de Ushuaia? Que maluquice a nossa! Eles podiam ter me estuprado, nos roubado e nosmatado. Nossos corpos poderiam estar enterrados na neve até hoje. Você me fez correr muitos riscos”... - Nós éramos muito jovens e você se divertia.

- Naquela época eu não tinha medo.

- Nem que eu morresse na Terra do Fogo?

- Tive. Lá não havia consulado. Como eu poderia transportar seu corpo para Salvador?

- Se eu tivesse morrido você sofreria?

- Depois. Primeiro teria que trasladar seu corpo.

Mais risos, mitos compartilhados, Sarte, Simone de Beauvoir, Marcel Camus,Victor Hugo, os franceses... -O que você está lendo agora? ele pergunta.

- Sydney Sheldon, responde antegozando a crítica que não vem. Ele a olha placidamente e diz: “Você continua a mesma”.

Fica decepcionada com a resignação dele. Talvez ela estivesse ficando muito previsível.

Ele não acreditava mais no Nada.

Ela também não. Isso mudava Tudo.

Agora, eles acreditavam em coisas diferentes.

No caminho para o hotel mais conversa, a paixão, as brigas, os términos, as voltas, o adeus definitivo.

-Por que a gente não deu certo?

-Você era muito galinha.

-Você devia ter lutado mais por mim, reclama.

-Você passou da conta.

- Você é muito dura.

-Você mentia.

-Todos os homens mentem.

- Eu sei. Mas, a gente cansa de fingir que acredita.

- Quer subir?, ele pergunta .

- Não. Vou para casa.

- Antes de voltar quero fazer um passeio, rever a cidade... Vem comigo?

- Vou. Me ligue.. .

Se olham com afeto.

- Nós fomos felizes juntos, não fomos?

- Acho que sim, ela responde.

Nunca tinha pensado nisso antes, mas era verdade.

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