sexta-feira, dezembro 16, 2005

O dia em que brinquei de Irmã Dulce......

Irmã Dulce é uma figura muito querida e muito presente entre os baianos, embora tenha morrido há 13 anos. Como a carismática pessoa que foi, nós, jornalistas, tínhamos com ela um certo grau de intimidade, típico de gente que se conhece há muito tempo e que partilha interesses comuns, embora nunca tenham se visto ou sequer se falado. Seu nome era sempre citado nas redações, nem sempre com a reverência que sua dignidade merecia. Tínhamos inclusive um colega, Rosalvo Espírito Santo, que sempre que queria chamar a atenção para alguma coisa começava a narrativa com a frase “como dizia irmã Dulce”..... e lá vinha todo tipo de disparates. Se as coisas que ele inventava com o nome da freira forem contabilizadas como pecado, Rosalvo vai arder e muito no caldeirão do inferno.Irmã Dulce me veio à memória, outro dia, ao conversar com uma professora, que tem o apropriado nome de Socorro, e que faz um trabalho social voluntário com gestantes carentes. Senti vontade de ajudar e resolvi, como diz minha mãe, fazer caridade com a bolsa dos outros. Ofereci a Socorro três amigas médicas, competentíssimas, como voluntárias para trabalhar com as grávidas nos dias de domingos à tarde. Depois, lembrei que tinha que consultar primeiro as interessadas, ou desinteressadas, e desanimei Socorro: “na verdade, não sei se elas topariam”. “Peça, fale com elas”, respondeu Socorro . “Não tenho jeito para pedir”, enrolei.... “Pois eu sou pidona”, respondeu ela. Peço tudo a todo mundo o tempo todo”. “Ah, você aprendeu com Irmã Dulce?” perguntei de brincadeira lembrando da fama da freira católica.- Foi com Irmã Dulce sim. Comecei esse tipo de trabalho com ela. Irmã Dulce era muito esperta, ia nos colégios procurar voluntários , conversava com os professores, e os alunos que se dispusessem a ajudá-la ganhavam um ponto na matéria que estivessem precisando. Eu queria um ponto em matemática e levei um ano ajudando no hospital, limpando sala, lavando banheiro por causa desse ponto, que acabei não precisando.“ Pois eu já vesti a roupa de irmã Dulce” falei lembrando uma história que aconteceu quando eu trabalhava na TV Educativa, em Salvador. Eu era chefe de reportagem e Alvinho Guimarães dirigia os programas especiais da emissora. Irmã Dulce estava adoentada e o pessoal resolveu fazer um especial sobre a vida dela. Dona Dulcinha , sempre prestativa, atendeu ao pedido da produção e mandou um hábito, limpo e passadinho, que já havia sido usado pela freira.Alvinho já tinha várias idéias para o especial e pediu à nossa secretária, Simone Andrade, que vestisse o hábito para fazer umas externas. Simone aceitou, mas na hora o hábito não coube nela, meio gordinha, já que Irmã Dulce era muito miúda. Alvinho perguntou se eu, mais magra, toparia substituir Simone. Concordei e o dia foi marcado. Continuei meus afazeres na redação, ouvindo os planos de Alvinho para o programa, entre os quais de mostrar Irmã Dulce com crianças no circo montada num elefante. - Ah, não! Subir em elefante eu não vou, meu filho. Não conte comigo... Você está trocando as freiras... Elefante é com Madre Teresa de Calcutá e não com Irmã Dulce...Ele aquiesceu e tudo resolvido, fomos para o Convento do Desterro, onde Simone me produziu. Disseram que eu me saí muito bem como atriz, passeando pelas alas do convento, parando para olhar o céu, e ajoelhada rezando na capela.Depois, voltamos para a TV e nunca mais se falou no especial de Irmã Dulce, que morreu um ano depois, nem na fita gravada por Alvinho que ninguém sabe onde foi parar. Mas, o que me marcou desta história, que na época encarei como brincadeira, foi que passei duas semanas entorpecida com a pressão muito baixa.Hoje eu sei que foi muita ousadia da minha parte vestir o hábito de uma mulher com um padrão vibratório tão alto como irmã Dulce, pessoa que dedicou toda sua vida a amparar os pobres e miseráveis.A historinha é para aproveitar, e pedir a quem estiver interessado em ajudar as gestantes carentes, muitas das quais ainda estão adolescendo - a entrar em contato com Socorro na Casa de Caridade, Esperança e Fé, que fica na rua Feira de Santana, no Rio Vermelho, ou pelo telefone 8809.3483. Alimentos não perecíveis, fraldas, mamadeiras, roupinhas e objetos para bebês são bem vindos.

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